Almiraci Dantas
Almiraci Dantas dos
Santos, é Coordenadora da Biblioteca Pública Estadual Graciliano Ramos e do
Sistema Estadual de Bibliotecas Públicas de Alagoas da Secretaria de Estado da
Cultura. Coordenadora do Programa PROLER. É presidente do Sindicato dos
Bibliotecários alagoanos (SINBIBLIO/AL). Pesquisou e organizou o registro do
Conhecimento acerca da Memória Histórica Institucional do Curso de
Biblioteconomia da Universidade Federal de Alagoas (UFAL). Pesquisadora na
temática: MEMÓRIA E HISTÓRIA INSTITUCIONAL E PATRIMÔNIO (I)MATERIAL. Graduada em
Biblioteconomia pela UFAL.
Nossa
entrevistada é mais conhecida como Mira Dantas, nasceu em um povoado de difícil
acesso no município de Piaçabuçu, chamado Potengi. Aos 14 anos ela só estudava,
como a maioria das meninas da sua idade, mas com a iniciativa da Secretaria da
cultura de Piaçabicu, de colocar um professor de música para o coral da igreja,
ela se inscreveu para participar. “O Grupo Caçuá - de artes integradas, com
foco no regionalismo estava precisando de um representante de Piaçabuçu, então
eu fui eleita para fazer parte do grupo, cantando e recitando valores
regionais."
Esses
recitais englobavam toda a cultura do município de Piaçabuçú e das cidades
ribeirinhas no entorno do Rio São Francisco, assim como Alagoas e todo o
nordeste. Ela conta que surgiu a necessidade de mudar-se para a cidade de
Piaçabuçu devido à existência de uma casa alugada pelo prefeito da cidade, onde
o grupo se reunia toda a semana para ensaiar. A casa era toda caracterizada com
poesias e frequentada por pessoas de vários lugares de Alagoas, inclusive de
Maceió. Depois a casa não pode mais ser alugada e Mira foi morar com a então
secretária de cultura, Dalva de Castro, a quem chama carinhosamente de segunda
mãe. “Ela cuidou de mim e me ensinou muitas coisas.”
O
grupo Caçuá fazia excursões por todo Brasil. Com eles, Mira aprendeu artes
teatrais, música, dança e interpretação. “A partir disso eu conheci muitas
pessoas do país e daí eu aprendi a ver em mim uma beleza que eu não conhecia,
aprendi a valorizar minha cidade, a saber quão belo era o rio, quão belo era o
pescador, quão bela era a lavadeira na beira desse rio. Foi a partir do olhar
dos visitantes que sabiam valorizar tudo aquilo, que eu clareei a minha visão e
aprendi não só a dar valor, mas também sentir muito orgulho do meu lugar.”
Ainda
através do Caçuá, Mira engajou-se em outros projetos, dentre eles o que
encabeçou a ONG Olha o Chico, que em seu Estatuto tinha várias diretorias.
Pasmem… Com apenas 16 anos, ela assumiu a diretoria de comunicação. Que menina
precoce!. “Eu fazia bonecas de informativos, colhia as informações, fazia a
impressão e saía de bicicleta entregando nas casas".
Ela
fazia ainda um programa na Rádio Mandim - uma rádio comunitária que cedeu 1
(uma) hora para a ONG. E ela aproveitou muito bem, passando informativos sobre
a Organização e sobre a conscientização da preservação do Rio São Francisco.
Mira também fazia entrevistas em seu programa abrindo espaço para os pescadores
da região que davam dicas de pesca, sobre a maré, sobre a época propícia para
pescar, como também, quando era proibida a pesca na qual o IBAMA chama de
'Época do Defeso'. “Tinha também o momento cultural, então eu convidava
sanfoneiros do povoado, convidava a Filarmônica Euterpe, entre outros. Eu
inventei uma personagem, a Dona Chica, eu falava como uma velha, agia como uma
velha, pensava como uma velha. O programa era todos os sábados, passava no dia
de feira, na hora de feira. Então as pessoas gostavam porque ela era
irreverente.
Depois eu tive uma parceira que fazia a minha comadre fuxiqueira.
Quando
Mira já fazia o ensino médio, a Secretária Dalva sempre levava cursos do Sebrae
e do Senai para o município. Um dos cursos que ela fez foi sobre o cultivo da
mandioca. Alem disso, existia também a Fundação Accioly Gama (FUNTAG), e Dalva
promovia festivais de teatro e Mira também se aventurou na montagem de peças
teatrais. “Eu montei umas 3 (três) peças. Eu mesma escrevia, dirigia, fazia a
sonoplastia, tudo. Uma dessas peça ganhou os prêmios de sonoplastia, melhor
ator coadjuvante e melhor direção. A peça vencedora tinha que ser apresentada
nos povoados e não tínhamos transporte adequado para isso, então nós usávamos a
caçamba de lixo da cidade. A noite nós lavávamos a caçamba e montávamos o palco
sobre ela (tipo teatro mambembe), estacionávamos na praça, colocávamos os holofotes e gelatinas, fazíamos as
caracterizações e chamávamos o público para assistir."
Eu
perguntei à Mira o que a motivou a querer fazer um curso superior, ela
respondeu que existia uma biblioteca na cidade, sem bibliotecário (a), para
variar, e ela fazia de tudo um pouco por lá. “Então aconteceu um projeto do
SESC, a exposição de imagens do “Tatibitati” livro de Fátima Maia. Foi quando a
Dalva pediu para que fosse feita contação de história com o livro Tatibitati,
daí eu contei historinhas pela primeira vez. Os alunos vinham das escolas para
visitar a exposição e depois levamos essa contação também para os povoados.
Perguntei se ela apaixonou-se pela biblioteca e por isso escolheu a
Biblioteconomia. Ela respondeu: "Não, mesmo porque eu era apaixonada por
tudo que eu fazia, não foi a biblioteca que determinou isso. Eu nem sabia o que
queria fazer, só sabia que tinha que ser algo relacionado com o público.
Pensava em jornalismo, pensei até em medicina, depois desisti". Contou
Mira. Perguntei também se ela não pensou em fazer um curso superior em Teatro e
ela respondeu que não, nunca quis fazer, nem pensou em fazer música.
Pedi
a Mira que contasse sobre a odisseia de sair do interior para estudar na
capital. "Aos 18 anos Fiz o primeiro vestibular e não passei, daí minha
mãe biológica que já era merendeira, tirou um empréstimo no banco para bancar
um cursinho pra mim. Me juntei com mais duas colegas que estavam vindo para
Maceió e ficamos no apartamento de outra colega, no bairro do Feitosa.
Dividimos as despesas, o aluguel e tínhamos as mensalidades do cursinho para
pagar. Eu tinha que fazer valer, tinha que estudar muito, me dedicar
extremamente. A minha ânsia foi tanta que eu passei a não me cuidar. Daí eu
comecei a me distanciar do Caçuá, da ONG, me distanciei de tudo. E também
passei a não me alimentar direito, com isso eu entrei em depressão e tive
vários problemas de saúde, não conseguia nem tomar água. Então tive que voltar
pro interior pra me restabelecer. Voltei
chorando, pois iria perder uma semana de cursinho. Recuperada voltei à
Maceió, fiz o vestibular e novamente não consegui passar. Como não tinha como
permanecer aqui, regressei novamente ao interior. Passaram-se 6 (seis) meses e
minha mãe mais uma vez me ajudou. Ela me disse: 'Arrume um lugar para morar.
Todo mês e vou lhe enviar uma ajuda de custo.' Passei a morar na casa de uma
amiga, por convite dela."
Mira
retomou suas atividades na ONG e esta passou a ter representatividade no Comitê
da Bacia do Rio São Francisco, pois o objetivo dessa ONG era meio ambiente,
arte e cultura. Ela ficou como representante suplente da ONG. "Então
comecei a viajar mais do que antes pelo Brasil. Nessas andanças eu conheci o
Marido de uma professora da UFAL que também fazia parte do comitê. Conversando
com ele, o mesmo me questionou: Porque você não faz Biblioteconomia? Eu: Biblio
o quê? Ele: Minha esposa é professora de Biblioteconomia, penso que você vai
gostar. Fiquei querendo saber o que era isso, biblioteconomia… Então comecei a
pesquisar e ver as áreas de atuação e percebi que tinha a ver com o que eu já
fazia. Foi aí que eu me decidi pela Biblioteconomia e fiz o vestibular pela
terceira vez. Passei em 4º lugar e me apaixonei e continuo apaixonada até
hoje." Finalizou Mira.
Vou confessar que essa entrevista não terminou
aqui, apesar dessa carinha de menina, essa mulher ainda tem muita história pra
contar... Acompanhe aqui na Parte II